MENOR VÍTIMA DE ASSÉDIO CONCEDE ENTREVISTA APÓS PRISÃO DE PROFESSOR

A matéria é do Jornal Opinião, de Guaíra, e foi publicada nas redes sociais ontem quarta-feira, 14.

Acompanhe a reportagem na íntegra.

Um professor de educação física, de iniciais W. F. C. foi preso na última sexta-feira (9), após ser condenado pelo crime de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, crime previsto no artigo 216 do Código Penal, com pena de 1 ano, 5 meses e 23 dias.

Todavia, apesar de a condenação criminal não citar, o ato foi cometido contra uma menor em 2019. A vítima era aluna de uma escola particular de Guaíra, mas a importunação começou via Whatsapp.

A equipe do Jornal Opinião conversou com a vítima no dia seguinte da prisão do homem e traz agora uma entrevista com detalhes do crime, contados pela garota que não será identificada.

QUANDO COMEÇOU

“Tudo começou em uma quarta-feira, dia que minha turma tinha aula com ele, eu tinha 14 anos. Após a aula, por voltas das 16h, ele me mandou várias letras aleatórias no whatsapp e logo imaginei que pudesse ter sido o filho dele. Pensei isso porque ele contava em sala de aula que o filho tinha acesso ao seu celular, e questionei ele se tinha sido o filho que mandou a mensagem. Ele disse que não, que poderia ter deixado o celular desbloqueado no bolso e por isso a mensagem foi enviada sem ele ver. Na sequência ele me perguntou por que eu não tinha foto e eu respondi que era porque eu não tinha seu número salvo, mas como era meu professor, não vi problema em salvar. Mas não tinha o número dele salvo por conversar com ele somente assuntos que se referiam a escola, como trabalhos e provas”.

A garota conta que após ela ter salvo o contato do homem ele já pode ver seu status que continha fotos com amigos.

“Eu postava status nessa época e bloqueava quem eu não queria que tivesse acesso. Mas na hora, nem lembrei de bloquear o meu professor e foi muito rápido”, contou.

O homem tirou print de uma das fotos do status, em que a garota estava ao lado de um amigo, e enviou de volta para ela para comentar sobre seu corpo.

“Ele tirou print dessa foto, circulou com a caneta a parte da minha bunda e me enviou. Então falou que eu tinha mudado muito meu corpo, que eu tinha crescido muito. Eu fiquei muito chocada e dei uma anestesiada na hora porque ele começou a falar sobre umas coisas muito pesadas. Logo em seguida ele pediu para fazer um jogo de perguntas e eu acabei sendo induzida a participar da brincadeira. O jogo consistia em duas perguntas dele e eu teria direito a duas perguntas também”.

Ela conta que já existiam boatos que circulavam pela escola de uma agressão à mulher e de se relacionar com alunas nas escolas onde deu aula e a curiosidade motivou ela a aceitar a proposta do jogo.

“Topei o jogo porque existiam burburinhos na escola de dois assuntos, que era se ele batia na esposa e se ele já tinha ficado com alunas dele. Nas respostas dele ele confirmava que agrediu a esposa, mas que tinha sido só uma vez, mas que nunca ficou com aluna”, lembrou a vítima.

Em seguida, o homem dá sequência em seu plano com a vítima fazendo uma proposta criminosa.

“Eu nem tive direito a fazer a última pergunta do jogo e ele já veio me perguntando se eu transaria com ele por dinheiro, quanto eu cobraria para transar com ele, fazer sexo oral nele. E eu fiquei horrorizada e falei ‘essa conversa não está certa, não está legal, você é meu professor’. Perguntei para ele porque ele estava falando aquilo pra mim, disse que ele era casado, religioso. E ele só me respondia que era casado, mas que a esposa estava grávida e estava muito tempo sem sexo, que estava a flor da pele. Eu só questionava ele porque ele estava fazendo aquilo, se ele era um homem super religioso”.

O homem que se dizia evangélico bolou um plano e apresentou ele para a vítima. Disse a ela que poderia pegar ela em um bar e levá-la para um motel onde ele faria várias coisas com ela.

“Ele falava muito que me colocaria em uma banheira e que eu ficaria muito satisfeita, que seria incrível”.

O assediador ainda falou para a vítima sobre uma situação em sala de aula que teria deixado ele excitado.

“Em sala de aula nunca ficou explícito que ele tinha algum interesse como aquele, mas ele falou para mim de uma situação que aconteceu naquele dia na sala. Eu estava rasgando um papel para ele e passei a língua no vinco para facilitar na hora de rasgar. Na hora ele até olhou, fez cara de nojo e eu brinquei perguntando se ele tinha nojo, que era só um papel e aquilo secaria logo. No whatsapp ele me disse ‘hoje de manhã na aula eu pensei várias coisas, aonde essa baba poderia estar’. Encerrei a conversa e contei para meus pais, que foram comigo até um advogado, à delegacia e depois à escola, para pedir que medidas fossem tomadas. A escola não deu todo o apoio que eu precisava, ficaram com dúvida do meu relato, eles poderiam ter feito muito mais do que fizeram. Porém, entendo que eles não tinham preparo algum para lidar com uma situação tão grave como aquela”.

APÓS A DENÚNCIA

A vítima relata para a reportagem do Opinião que muitos duvidaram do que tinha acontecido, mas que teve apoio da família para fazer boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher e para iniciar um processo longo.

“Muitos duvidaram de mim. Me diziam que eu estava me envolvendo com homem casado, isso foi o que eu mais ouvi. Diziam que eu tinha que ter parado de responder, que assim não teria acontecido nada do que aconteceu. Na escola eu era vista como louca. Mas conversando com minha terapeuta entendi que não é bem assim, que fui manipulada para estar naquela conversa, que foram vários gatilhos, inclusive, houve ameaça a minha família. Ele falava muito sobre minha mãe, que se ela soubesse daquilo ela ficaria muito mal e isso me traria problemas. Eu sentia muito medo do que ele poderia fazer comigo e com minha família”.

Ela relatou também que quando o homem voltou a mandar mensagens no dia seguinte, ela e a família foram até a escola para mostrar à diretoria. Dessa vez ele pedia desculpas pelo que havia dito no dia anterior e que estava com medo de ser demitido da escola.

“No momento em que ele começou a mandar mensagens de novo, o celular já estava na mão do dono da escola. E ficou nervoso porque eu não estava respondendo”, contou. “Após verem que não era mentira, a escola entrou em contato com ele chamando para conversar e ele disse que não iria, pois já sabia do que se tratava. Ele se arrependeu de negar o pedido da escola e ligou de volta dizendo que iria. Não sei ao certo se foi a escola que demitiu ou se foi ele que pediu demissão primeiro, porque a escola não se posiciona quanto a isso. Mas ele saiu”.

DEMISSÃO E MANIPULAÇÃO DE MENORES

Após a demissão, a vítima conta que o homem chegou a mandar mensagens para as turmas dizendo que estava saindo por problemas em sua vida pessoal e para alguns alunos em particular ele comentou que o problema era em relação à vítima e que ela estava louca e que estava iniciando um processo contra ele, sem especificar o motivo. “Não eram pessoas do meu círculo de amizade, mas tinham contato comigo e me contaram”, disse a vítima.

SAÚDE MENTAL E SEGURANÇA

Sua segurança ficou comprometida após a demissão do assediador. A vítima conta que desenvolveu crises de ansiedade, precisou começar a usar remédios para dormir por medo de o homem aparecer na casa dela ou de receber alguma mensagem, e tinha medo de andar sozinha, por isso, estava sempre acompanhada. O homem passava por ela de moto fazendo muito barulho para chamar atenção, mesmo com medida protetiva vigente, mas nunca mandou mensagem de novo. Apesar de todo o ocorrido, após o processo ser iniciado e ele perdido em primeira instância no início de 2022, a escola permitiu a entrada do homem para fazer propaganda da escolinha de futebol onde ele dava aula. A vítima não estava presente neste dia, mas outras meninas ficaram expostas ao assediador. “Me senti desvalidada nesse dia pela escola, apesar do carinho enorme que eu sinto por todos lá”, contou entristecida.

Após uma luta de quase 4 anos na justiça, a jovem que está prestes a completar 18 anos, venceu a causa e conta como se sentir ao receber a notícia da prisão do homem.

“Me senti aliviada. Era tudo o que a gente mais esperava que acontecesse para a minha proteção, acredito que essa seja uma das principais formas de lutar contra isso. A gente sente que a justiça foi feita. Agora acabou, o que tiver que ser pago será pago. E apesar de tudo, sempre me preocupei com a esposa dele, por saber da gravidez, não sei se ela sabe o que aconteceu ou se ela estava feliz dentro do relacionamento. Mas ainda tenho medo de familiares dele não entender ou não aceitarem, por isso ainda andarei com segurança pela cidade”.

Não deve haver vergonha em situações como a que ela viveu. Pedir ajuda para pessoas do ciclo de segurança, que pode ser família, escola ou amigos, é essencial para enfrentar e combater qualquer tipo de violência contra a mulher dentro e fora das escolas.

O OUTRO LADO

Procurada pelo jornal Opinião, a diretoria da escola avocou seu advogado e este, em contato com a reportagem, disse que a escola contribuiu com as autoridades, mas, não vai se manifestar para proteger a menor.

Matéria de Talita Dias/Jornal Opinião