GOVERNO E PREFEITURA DE SP SÃO ALVOS DE AÇÕES POR CONTRATOS COM EMPRESAS DE SUCO E AÇÚCAR SUSPEITAS DE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

Deputadas estaduais da Bancada Feminista do PSOL entraram com ações contra o governo de São Paulo e a Prefeitura da capital por contratos de fornecimento de alimentos com empresas suspeitas de utilizar trabalhadores em condições análogas à escravidão. A ação contra o governo foi protocolada na tarde de quinta-feira (16) na Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo, enquanto a que envolve a prefeitura foi entregue em 2 de março.

Os contratos do governo do estado previam pagamentos de R$ 17 mil para empresa fornecedora do açúcar Caravelas, alvo de ação no interior de SP;

Já a prefeitura destinou mais de R$ 1,6 milhão para compra de sucos da Cooperativa Garibaldi, suspeita de cometer o crime no Rio Grande do Sul.

O governo do estado de São Paulo diz que ainda não foi notificado oficialmente sobre a ação das deputadas estaduais, e que “repudia toda e qualquer prática de trabalho análogo à escravidão” (leia mais abaixo).

A Prefeitura de São Paulo diz que o contrato foi cumprido antes das denúncias e não fez nova compra com a Cooperativa Garibaldi (veja abaixo).

A Colombo Agroindústria S/A, responsável por refinar o açúcar Caravelas, afirmou que repudia o trabalho análogo à escravidão e que a ação ligada à empresa no interior de São Paulo ocorreu com seis trabalhadores, não com 32 (a íntegra do posicionamento está no fim da reportagem).

Uma das responsáveis pelas ações, a deputada Paula Nunes, da Bancada Feminista, afirma que a lei estadual nº 14.946, de 2013, aborda o trabalho escravo e trata da possibilidade de que empresas condenadas pelo uso de trabalho análogo à escravidão, na contratação direta ou indireta, tenham inscrição como contribuinte de ICMS cassada. Assim, teriam direito de atuação suspenso e seriam impedidas de atuar em São Paulo.

Para ela, as ações contra governo estadual e municipal têm como objetivo mais do que tratar dos valores firmados em contrato, mas demarcar que o estado não deve ter ligação direta com tais empresas.

“Sendo alto, sendo pequeno o valor, o governo do estado manter contrato com uma empresa que está sendo investigada por manter trabalho escravo em sua cadeia produtiva é uma ofensa aos trabalhadores, aos direitos humanos e a qualquer paulistano”, diz a deputada, ao citar que o resgate nos canaviais ocorreu em terras paulistas.

Açúcar

Segundo os documentos enviados para sustentar o pedido, parte das cozinhas e copas de órgãos ligados ao governo estadual seriam abastecidas com açúcar e sachês produzidos pela Colombo Agroindústria, que fabrica o Açúcar Caravelas. O valor do contrato é de R$ 17 mil.

Pesquisa realizada na Alesp aponta que a Secretaria de Justiça e Cidadania, a Fundação Casa, a Casa militar do Gabinete do Governador e a USP (Universidade de São Paulo) têm contratos com Kawan Hideyuki Hattano EPP, fornecedora do açúcar Caravelas.

Fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT) resgataram 32 trabalhadores em condições análoga à escravidão na zona rural de Pirangi, no Norte do estado e distante 383 km da capital paulista. Os homens, naturais de Minas Gerais, estavam em situação de escravidão contemporânea, segundo o artigo 149 do Código Penal, por viverem em condição de servidão ao acumular dívidas com os empregadores e viverem em condições degradantes no trabalho e nas moradias.

De acordo com o MPT, as vítimas foram contratadas por uma empresa terceirizada que prestava serviços para uma usina da região. A denúncia aponta que a usina fornece açúcar para a Caravelas.

As deputadas sustentam que o estado de SP deveria fazer uma auditoria interna para investigar a existência de contratos firmados com “estas empresas inidôneas” e rompê-los. Elas dizem que houve omissão da administração Tarcísio porque, até o momento, não houve análise do caso por parte do governo.

Além da nulidade dos contratos, as parlamentares pedem que a Justiça determine a devolução dos valores dos contratos, “tendo em vista a origem em mão de obra análoga à escravidão”.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Justiça e Cidadania, o estado de São Paulo ainda não foi notificado oficialmente sobre a ação das deputadas estaduais.

“O Governo do Estado de São Paulo repudia toda e qualquer prática de trabalho análogo à escravidão e adotará todas as medidas legais em relação às graves práticas denunciadas”, afirmou o governo.

Prefeitura investiu mais de R$ 1,6 milhão em sucos

Já a Prefeitura de São Paulo e a Secretaria Municipal de Educação teriam servido sucos de origem suspeita para diretores, professores, alunos e demais pessoas nesses espaços públicos.

Na ação contra o prefeito Ricardo Nunes, as deputadas indicam que há contratos de fornecimento ao município com a Cooperativa Garibaldi, que é suspeita de contratar empresas terceirizadas que usavam mão de obra análoga à escravidão na colheita da uva na Serra do Rio Grande do Sul.

O contrato — firmado em julho de 2022 para fornecimento de mais de 110 mil litros de suco de uva por 12 meses — prevê pagamento de R$ 1.667.671,00.

Ao não romper o contrato após as denúncias contra a Garibaldi, é caso de “flagrante ofensa à moralidade administrativa a cidade de São Paulo possuir contratos com empresas que tomam para si mão de obra de trabalhadores em condições análogas à escravidão”, dizem as deputadas na ação.

“É prática abjeta, nojenta, incompatível com uma sociedade livre e democrática como a brasileira que ainda precisa se haver e reparar os 300 anos de escravidão que aqui vigeram”, destaca a Bancada Feminista no documento.

O pedido também inclui solicitação de ressarcimento dos valores pagos pelo município.

A Procuradoria Geral do Município informou que ainda não foi intimada de nenhum ato do processo e que, quando for regularmente citada, prestará as informações necessárias. (leia nota abaixo)

CPI do Trabalho Análogo à Escravidão

Além de pedir o rompimento dos contratos e a devolução dos valores pagos aos cofres públicos, as deputadas estaduais se mobilizam para criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Análogo à Escravidão na Alesp. Para isso, são necessárias 32 assinaturas entre os 94 parlamentares.

O objetivo seria ampliar a investigação de empresas responsáveis por usar trabalho degradante no estado, bem como outros contratos públicos. Outra função seria traçar um perfil dos trabalhadores nesta situação, que, segundo Paula Nunes, são em sua maioria negros.

Nas contas da deputada, as federações PSOL e Rede, PT e PCdoB e o PSB poderiam render 26 assinaturas. A coleta já está em processo.

“Eu acho que vai ser bem tranquilo de conseguir as assinaturas. Já estou em contato com deputados, lideranças de outros partidos e já tenho anuência de alguns deles para que a gente possa recolher as assinaturas”, disse Paula.

A Assembleia teve 13 CPIs ao longo do último mandato, entre 2019 e 2022. Quatro delas terminaram sem um relatório final. Deputados de oposição alegam que parlamentares alinhados do governo, então comandado por João Doria (à época no PSDB, hoje sem partido), travaram a realização dos trabalhos.

O que diz a Prefeitura de SP

Em nota, a Procuradoria Geral do Município informou que ainda não foi intimada de nenhum ato nesse processo e que, quando for regularmente citada, prestará todas as informações necessárias.

“A Secretaria Municipal de Educação (SME) esclarece que em relação ao contrato citado pela reportagem, já foi totalmente cumprido no ano passado, sendo a última entrega realizada em 10 de outubro de 2022. A Pasta não realizou nova contratação da cooperativa”, informou.

O que dizem os envolvidos

Questionada pelo g1, a Colombo Agroindústria S/A afirmou que repudia o trabalho análogo à escravidão e que a ação ligada à empresa no interior de São Paulo ocorreu com seis trabalhadores, não com 32.

Em nota, a empresa disse que “não havia irregularidade com os demais 26, cuja demissão foi exigida pelo MPT por serem da mesma região” dos outros contratados.

“Até o momento, apuramos que a contratação ocorreu em 10 de janeiro e a fiscalização, em 26 de janeiro. Não houve limite à liberdade de ir e vir. Os salários não estavam atrasados e seriam pagos em 5 de fevereiro. A empresa prestadora de serviços atendeu às exigências e fez os pagamentos exigidos pelo MPT”, afirma a Colombo.

Segundo a empresa, este é um “episódio isolado envolvendo seis empregados de uma empresa especializada em plantio sazonal”. “Em 80 anos, a Colombo nunca passou por ocorrência como essa com seus mais de 6,5 mil colaboradores diretos e indiretos”.

Fonte: G1 Ribeirão